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Sobre me tornar uma construtora de pontes


"Nossa dor, nosso ultraje, nosso medo surge da profundidade de nosso cuidado e da verdade de nossa interconectividade com todos os seres".

Joana Macy


Em um processo eterno de me tornar o Eu que vim a ser. Uma construtora de pontes que acredita que a interconectividade é o único caminho a ser seguido.


Era meu último dia na Baja California, México, antes de voltar para casa. Meu último pôr-do-sol à beira do Oceano, depois de passar 31 dias no mar navegando com 11 estudantes, 4 co-instrutores e todos os Mais-que-Humanos que nos rodeiam. Em uma praia pública, meus fones de ouvido tocavam alguma música latina incrível quando de repente me percebi dançando. Para o sol, para o mar, para as gaivotas, para mim mesma... como se eu estivesse sozinha com os Elementos, nenhum outro ser humano ao redor. Eu dançava, ria, amava e, às vezes, chorava... tudo de uma vez!


No dia seguinte, me deparei com a seguinte frase de um livro:


"[prazer] é aquele lugar em nossos corações onde somos gratos por tudo o que estamos recebendo e, por um momento, não queremos mais nada".

Toko'pa Turner (em Belonging: Remembering Ourselves Home)


E tudo fez sentido! Era exatamente o lugar onde eu estava enquanto assistia ao pôr-do-sol no dia anterior. Eu estava - EU SOU! - grata a tudo o que recebo e, por aquele momento, não queria mais nada!



Foi uma viagem e tanto até chegar ao ponto de sentir essa graça, de tê-la experimentado e de não ter problemas em deixá-la ir, sem apegos. De certa forma, sei que minha viagem começou no dia em que nasci e só terminará quando eu deixar este corpo. Mas seria uma história muito longa para contar em apenas uma escrita. Então, que tal você me acompanhar de volta a 2020?


Quando a pandemia nos pegou de surpresa, eu morava nos Estados Unidos e trabalhava para o Outward Bound como Educadora de Vida Selvagem. Me deparei com a dúvida de ficar ou voltar para o Brasil, onde estão minhas raízes. Por mais difícil que fosse deixar a vida que eu tinha construído para mim mesma, escolhi voltar. Partiu minha alma! Não consegui encontrar meu chão por um bom tempo. E foi no sentir-me perdida que acabei me juntando a um grupo de amigas para ler "Mulheres que correm com os lobos", de Clarissa Pinkolas Estés, e passamos a nos reunir semanalmente para discutir o assunto.


Lendo o livro de Clarissa Pinkolas Estés em São Sebastião, Brazil - foto: Juliana Pereira


Enquanto líamos e nos conhecíamos, naveguei dores, sombras, feridas e perdas. Foi apenas ao chegar ao capítulo 10 que tive o primeiro contato com a minha cura:


“Perder o rumo significa perder a energia. A tentativa absolutamente equivocada quando perdemos o rumo é a de correr para arrumar tudo de novo. Correr não é o que devemos fazer. (...) sentar e balançar é o que devemos fazer. A paciência, a paz e o balanço renovam as ideias. Só o ato de entreter uma ideia e a paciência para embalá-la são o que algumas mulheres poderiam chamar de grande prazer.”


Então esperei. Finalmente fiz as pazes com a minha volta ao Brasil, sentada e paciente, aguardando tudo aquilo que estava por vir. E nesse momento recebi a notícia de que participaria de outro maravilhoso e poderoso círculo de mulheres: o Aura Fellowship da Be the Earth.


Escultura de areia feita durante um encontro mensal da Aura. April/2021. São Sebastião, Brazil - foto: Fabi Pereira


Fazer parte de uma comunidade de mulheres corajosas e dispostas a serem vulneráveis me trouxe de volta a mim, me ajudou a redirecionar minha jornada e me deu forças para mergulhar e investigar tudo que finalmente começou a se desdobrar. Nossas reuniões mensais, nossas interações pessoais, minha parteira Eve Annecke e as minhas três mentoras - Sue Davidoff, Marlene Zehnter e Bruna Maia - trouxeram a magia de volta à minha vida.


Eu, alunos e co-instrutores durante uma expedição em Baja California, México, Janeiro/2022 - foto: Eliza Webb


A magia é o ato de nos comportarmos como se a coisa que estamos nos tornando fosse garantida, falando e nos movimentando como se carregássemos esse segredo em cada passo. A magia vive nas escolhas e na lucidez para fazê-las. Ao escolher abraçar minha própria medicina como uma Construtora de Pontes, (re)ligando o mundo Humano e o mundo Mais-que-Humano, eu a levo no meu caminhar e a compartilho onde quer que vá, com todas as dúvidas, medo e beleza que a minha própria jornada enredam. E enquanto o faço, meus amigos me lembram, por meio de um simples testemunho, que me tornei algo novo e, com o poder corroborativo de reunir-me em cerimônia, nunca totalmente deixarei de sê-lo.


Fabi Pereira é uma educadora de vida selvagem, conselheira de trauma, ouvinte e, acima de tudo, uma mulher latina, de raízes italianas, que encontrou seu caminho de volta para casa, para os Mais-que-Humanos por toda parte.



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